
Após a passagem do período desastroso de quatro anos de desmonte das políticas públicas do nosso país, principalmente para as populações mais vulnerabilizadas, o ano de 2023 começa com um processo de reconstrução das políticas públicas de saneamento e de saúde, com inúmeras e profundas mudanças.
Saúde, Água e Saneamento são direitos humanos reconhecidos, mas apesar disso, a população brasileira no geral, ainda não tem garantido o acesso à essas condições que são indissociáveis e essenciais à vida. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) vem acompanhando as alterações institucionais das políticas públicas de saneamento que emergem a partir dos primeiros atos do atual Governo Lula.
O saneamento, nos âmbitos públicos, comunitários e domiciliares, implica em políticas públicas intersetoriais envolvendo saúde, ambiente, educação, agricultura, infraestrutura, planejamento territorial, etc. Essa integração se faz mais emergente diante da relação entre insegurança hídrica e alimentar, bem como dos efeitos dos eventos extremos hidrológicos derivados das mudanças climáticas.
O Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) tem como marcos referenciais o saneamento como direito humano; como promoção da saúde; na erradicação da extrema pobreza; e no desenvolvimento rural solidário e sustentável. Surge como um verdadeiro divisor de águas, que pretende resolver uma dívida histórica do Estado brasileiro com o saneamento rural. O PNSR, publicado em Diário Oficial da União (DOU), tem uma previsão orçamentária expressiva para reverter o déficit de saneamento rural e de pequenos municípios.
O PNSR prevê a elaboração do Programa Nacional de Saneamento Indígena, com garantia e efetiva participação dos povos indígenas, sendo necessário cumprir a previsão orçamentária para tal. O PNSR assegura a participação, a diversidade e o controle social nos processos decisórios, no planejamento, na execução e na gestão do saneamento, bem como a constituição de um Fórum Gestor com representantes dos governos e entidades da sociedade civil organizada.
Considerando ser imprescindível para a efetividade do PNSR a intersetorialidade entre os campos do saneamento – saúde – agroecologia para a economia local das populações do campo, da floresta e das águas, bem como a melhoria das condições de vida e situação de saúde, a ABRASCO vem por meio desta, apresentar os tópicos abaixo relacionados, no sentido de fomentar o debate visando contribuir com propostas para o fortalecimento do saneamento rural, na perspectiva da Promoção da Saúde, dos Direitos Humanos, da Justiça Ambiental e da Proteção dos Bens Comuns:
- Recentemente a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) foi extinta pela MP nº1.156, de 01/01/2023 e, segundo o Decreto nº 11.333 de mesma data, a partir do retorno do Ministério das Cidades (MCidades), foram criados na sua estrutura organizacional o Departamento de Extinção da FUNASA, vinculado à secretaria-executiva, e o Departamento de Saneamento Rural e de Pequenos Municípios, vinculado à Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, a quem compete, dentre outras atribuições, implementar o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Diante disto, neste momento, é oportuno e importante estruturar uma forma de garantir a intersetorialidade entre saneamento e saúde;
- O processo de extinção da FUNASA poderá ser longo, tendo em vista o porte da fundação. Os seus escritórios regionais distribuídos pelos Estados, ao serem direcionados para o Ministério das Cidades, poderiam dar suporte à gestão e à assistência técnica para os municípios na implantação do PNSR;
- Membros do Grupo da Terra, instituído por meio da Portaria MS/GM nº 2.460/2005, tiveram papel importante na consecução do PNSR. Tal Grupo, se reativado, poderia atuar no acompanhamento do PNSR, considerando que a Política de Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), por sua vez criada pela Portaria nº 2.866/2011, ainda está vigente e poderia constituir espaço importante para a citada reativação, na integração entre os Ministérios;
- Com a transferência, o orçamento do PNSR evidentemente será administrado pelo MCidades, daí ser importante garantir que tal previsão orçamentária atenda prioritariamente as populações vulnerabilizadas, a partir de critérios de saúde pública, com ênfase na compreensão do saneamento alicerçada na Promoção da Saúde e como um Direito Humano essencial à vida;
- O PNSR é um programa robusto e um divisor de águas para o saneamento rural. Nesse sentido, e de forma mais ampla, poderia orientar a própria reestruturação do saneamento no país e das instituições que atuam nesse campo, incluindo a alocação de recursos e de pessoal da extinta FUNASA;
- No âmbito do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), está prevista a consecução do Programa Estruturante, cujo foco está voltado para a gestão pública dos serviços, visando a criar condições de sustentabilidade para o adequado atendimento populacional, incluindo a qualificação da participação social e seu controle social sobre os serviços. Diante disso, o setor da saúde, assim como o da educação, poderiam contribuir de forma efetiva em todo escopo do Programa Estruturante, na perspectiva da imprescindível intersetorialidade;
- O PNSR pelo seu porte, complexidade e atuação complementares das instâncias dos poderes públicos exigirá a incidência do governo federal junto aos estados e municípios visando o monitoramento do processo, à luz das diretrizes, estratégias e indicadores da saúde, incluindo do que está prescrito no PNSR, integrando com as ações de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.
- Diante das profundas alterações institucionais em curso, que serão determinantes para nortear as políticas de saneamento e de saúde no território nacional, considerando que isto afetará populações urbanas, periurbanas, dos campos, florestas e águas, indígenas e quilombolas, o Governo Federal deve instituir, no âmbito do MCidades, a criação de um “Grupo Gestor Interinstitucional e Intersetorial”, contemplando os ministérios, instituições públicas e entidades da sociedade civil abaixo referidas:
- Ministério da Saúde; Ministério da Educação; Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e Ministério da Igualdade Racial (MIR);
- Universidades, Fiocruz e demais instituições de pesquisa;
- Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS); Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE); Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
- Grupo da Terra, a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) etc.