A Abrasco, através do seu GT Saúde e Ambiente, lamenta o falecimento de Jean Pierre Leroy e expressa suas condolências para toda a sua família. Todos nós, pesquisadores, profissionais da saúde, ambientalistas e movimentos sociais somos profundamente gratos por sua obra e legado.
Nascido em 1939, francês naturalizado brasileiro, filósofo com mestrado em Educação, Jean Pierre foi um aguerrido ambientalista, lutador pelos direitos dos povos tradicionais, pela Amazônia e pela justiça ambiental. Entre 1978 e 1987 foi Coordenador Nacional da Fase, depois membro da Coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Entre inúmeras atividades foi Relator Nacional do Direito humano ao Meio Ambiente pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (Plataforma DhESC). Entre inúmeras publicações é autor dos livros “Uma chama na Amazônia” (Vozes/Fase, Rio de Janeiro, 1991); “Tudo ao mesmo tempo agora: desenvolvimento, sustentabilidade, democracia: o que isso tem a ver com você?” (Vozes, Rio de Janeiro, 2002); e “Territórios do futuro. Educação, meio ambiente e ação coletiva” (Lamparina, Rio de Janeiro, 2010).
Leroy escreveu sua longa trajetória de cooperação com a Saúde Coletiva. Colaborador do Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil foi organizador, junto com Tânia Pacheco e Marcelo Firpo, do livro sobre o projeto “Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: o mapa de conflitos”, Editora Fiocruz. Em outubro de 2014, abriu oficialmente o 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente da Abrasco, falando sobre os “Direitos, justiça ambiental e políticas públicas”, Leroy defendeu a retomada do sentido de simbiose das sociedades na contemporaneidade, explicando que a saúde é o termômetro desse processo. “Se a saúde não vai bem, o mundo não vai bem”, enfatizou. Além de separar os sentidos de desenvolvimento, citando processos como intervenções ambientais para construções de represas e sua relação direta com as populações envolvidas, Leroy afirmou que os direitos são arbitrários, principalmente aos que se referem ao território. “O Congresso que é dominado pelo agronegócio, quer se atribuir do direito e dever de definir onde haverá povos indígenas, autorizar. Mas os índios já existiam. É ainda mais arbitrário quando o Governo Federal atribui essa decisão aos Estados. Quando liberam, por exemplo, a construção de hidrelétricas indo contra à Constituição Federal”, disse.
Acesse aqui a conferência “Direitos, justiça ambiental e políticas públicas” em PDF.
Em “Mercado ou Bens comuns? — O papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e setores do campesinato diante da crise ambiental” (Fase, Rio de Janeiro, 2016) Jean Pierre nos oferece a reflexão dos ensinamentos que esses povos e comunidades nos trazem. “Por meio de suas lutas e estratégias de resistência, eles dizem que vale a pena e que é possível lutar por seus direitos. São, dessa maneira, a prova de que há outras possibilidades de organizar a vida para além do mercado capitalista. Entre outros objetivos, o autor incentiva outros setores sociais a reforçarem as lutas desses grupos, detentores de conhecimentos preciosos para o nosso futuro, diante das ameaças em curso, velhas e novas formas de cercamento dos bens comuns”.
O MST, em sua nota em homenagem a Jean Pierre Leroy, cita Bertold Brecht para nos lembrar que “…há os que lutam toda a vida, estes são imprescindíveis”. Cita o próprio Jean Pierre para nos lembrar que “Nestes tempos de angústia e de dúvidas sobre o futuro da Humanidade, não podemos deixar aos donos do poder político e econômico a tarefa de traçar o nosso destino. O caminho entre o possível e a utopia é o espaço no qual os cidadãos do mundo podem e devem agir”.
Em maio do ano passado, Jean-Pierre Leroy, falou à TV Diplomatique sobre sustentabilidade, desenvolvimento, consumo e agroecologia.
Trajetória
Jean Pierre Leroy nasceu em 17 de janeiro de 1939 na Normandia, França. Chegou ao Brasil em 1971, passando a viver em Belém. Lá se aproximou de pescadores e agricultores familiares e, dois anos depois, se mudou para Santarém e passou a ser educador da FASE. Seu trabalho junto à equipe era voltado para produtores em pequenas roças, agroextrativistas e para organização sindical de trabalhadores. Ainda nessa década, foi para o Maranhão trabalhar em uma região de fronteira submetida à grilagem e à violência. Logo depois, foi para o Rio de Janeiro para fazer estudos sobre regiões no Paraná, no Maranhão e no Pará.
Em 1979, assumiu a coordenação nacional da FASE, exercendo a função até 1983, quando passou a ser coordenador nacional adjunto. A conjuntura de ditadura recomendava que o coordenador nacional tivesse um perfil de atuação mais discreto, que não chamasse a atenção e desse respaldo à organização.
Envolveu-se, então, na reorganização sindical, em particular pelas Oposições Sindicais, urbano-industriais e rurais, e na organização da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Como coordenador nacional da FASE, Jean Pierre liderou o processo de resgate da sua identidade institucional como organização voltada para a educação popular, assegurando de forma democrática e pluralista as bases para a consolidação institucional da FASE e a continuidade do seu compromisso com a transformação social, nas décadas seguintes.
Nos anos 1980, esteve ativo em encontros sul-americanos. A Amazônia continuava a ser um dos seus grandes centros de interesse. Desde 1988, quando nasceu o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica, se tornou um colaborador periódico do movimento.
Em 1990, participou do Fórum de ONGs Brasileiras preparatório para a Conferência da Sociedade Civil sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, recentemente criado, e integrou a sua coordenação coletiva. Em 1991 e 1992, a FASE assumiu a secretaria executiva do Fórum, sendo Jean Pierre Leroy seu secretário. Coordenou a contribuição coletiva da instituição, que passou a chamada, a partir de 1993, de Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Em 1996, nasce o Projeto Interinstitucional Brasil Sustentável e Democrático e Jean Pierre assume a coordenação executiva.
“Interinstitucional” porque sempre pareceu a ele que a produção intelectual, para entidades como as envolvidas na iniciativa, não poderia se dar da mesma maneira do que na academia. A produção coletiva de conhecimento, nesse contexto, seria fundamental. A Projeto se envolvia em estudo, formação e busca de influência sobre políticas públicas. O seu ponto de partida era o questionamento ao modelo de desenvolvimento, “socialmente excludente e ambientalmente catastrófico”. Até 2002, produziu um número importante de publicações, em particular “Tudo ao mesmo tempo Agora – Desenvolvimento, sustentabilidade, democracia, o que isso tem a ver com você”. Mais tarde, incentivou a formação de coletivos semelhantes no Chile, no Uruguai, na Argentina e, em um grau menor, no Paraguai e na Bolívia.
Em 2002, foi indicado para ser Relator para o Direito Humano ao Meio Ambiente, em ação coordenada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais. Com isso, cruzou o país produzindo relatórios sobre conflitos e violações aos direitos humanos que envolviam agricultores familiares, agroextrativistas, contaminação de manguezais, violências contra pescadores, populações urbanas, impactos pela expansão do eucalipto, conflitos fundiários, ação de madeireiros, ameaças e assassinatos. Como exemplo, fez estudos sobre os desmandos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e contra indígenas Xavante, da Terra Marawatsede, no Mato Grosso. Pode repercutir denúncias em Genebra, na Comissão de Direitos humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), e em Washington, junto à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Participou da fundação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), também em 2002, e poucos anos depois, da coordenação do Mapa de Conflitos Ambientais do Estado do Rio de Janeiro, que gerou a construção de um novo instrumento voltado para grupos sociais atingidos por empreendimentos, chamado de Avaliação de Equidade Ambiental. Em 2009, recebeu o Prêmio João Canuto, que leva o nome do primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, assassinado em 1985. A premiação foi concedida pelo Movimento Humanos Direitos, em homenagem a pessoas e instituições que se destacam nas lutas pelos direitos humanos.
Jean Pierre Leroy esteve ao longo da vida comprometido com os movimentos sociais e com os rumos da sociedade brasileira. Demonstrou preocupação com os ataques à democracia e aos direitos básicos pelos quais passa atualmente o Brasil. Defensor da reforma agrária, esteve ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assim como de muitos outros, em defesa da liberdade de organização. Para ele, a “reforma agrária não é só assentamento, mas um grande projeto de reconstituição do território, da agroecologia, é algo fundamental para as políticas e para a saúde”.
Justa homenagem, grata a vida pela oportunidade de ter convivido na militância com Jean Pierre Leroy, um ser humano, intelectual cuja grandeza extrapola seu tempo, Aberto, insentivador, democrático, amoroso, criativo, firme, comprometido com todas as causas pela justiça social e ambiental . Sentiremos saudades mas temos seus escritos, sua obra, seu exemplo, seu engenho para nós fortalecer .