Faremos menção mais detalhada ao último plano. No primeiro semestre de 2005, a Comissão de Epidemiologia elaborou o IV Plano Diretor para o Desenvolvimento da Epidemiologia no Brasil, com base em documentos de especialistas da área sobre os três eixos que compõem esse plano – ensino, pesquisa e políticas –, além de programas e serviços de saúde. Ele foi discutido em um seminário no Rio de Janeiro que contou com a participação de expressivos pesquisadores, dirigentes e profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Estiveram presentes 35 epidemiologistas de 15 programas de pós-graduação das cinco regiões do Brasil e de várias instituições que têm sido as formuladoras das políticas de saúde relacionadas à epidemiologia.
No período de vigência do III Plano Diretor (2000-2004) ocorreram reconhecidos avanços e fortalecimento da epidemiologia nos serviços de saúde, tais como a institucionalização e estruturação da Secretaria de Vigilância em Saúde no Ministério da Saúde (SVS), criação de uma rede de capacitação de recursos humanos para esta área, alguns mecanismos de aperfeiçoamento dos grandes sistemas de informações epidemiológicas, fortalecimento da rede de apoio diagnóstico para a área de saúde pública. Salienta-se em particular a instituição do repasse fundo-a-fundo, mediante critérios epidemiológicos e geográficos, dos recursos do SUS destinados às ações de Vigilância em Saúde trazendo maior estabilidade ao financiamento das ações de Saúde Pública desenvolvidas pelos municípios.
Contudo, muitos problemas permanecem inalterados ou mesmo se agravaram neste período, a exemplo da inexistência de política de cargos e salários para os profissionais, o que impede a fixação dos mesmos, principalmente nas áreas mais carentes, com conseqüente descontinuidade das ações nos sistemas locais de saúde e a insuficiência dos recursos do SUS para a Saúde Pública.
No que tange ao enfrentamento de situações de saúde inusitadas, a comunidade reconhece que a SVS está adotando algumas iniciativas para a estruturação deste componente da vigilância. No entanto, não tem lançado mão da expressiva capacidade técnica e científica existente no país no campo da epidemiologia. (Teixeira, 2005:231) Em relação ao ensino, é destacado que, na medida em que se consolidou o SUS e que as atividades de maior interesse para a epidemiologia foram se efetivando, como o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e a Vigilância Sanitária, houve necessidade de se repensar a formação de recursos humanos, visando à sua adequação às necessidades dos serviços de saúde. Associe-se a isso o fato de que, com a expansão do ensino superior e da pós-graduação e da pesquisa, instaurou-se a necessidade de formação de profissionais mais bem qualificados.
Infelizmente, as condições de aproveitamento desses profissionais nem sempre foram favoráveis para as carreiras de docente e de pesquisador. Dois destaques são dados à formação: orientada para o serviço e para a pesquisa e o ensino. Sem entrarmos em detalhes, citamos como princípios adotados, dentre outros: discutir e difundir novos modelos pedagógicos e de formação, de modo que os modelos tenham uma estrutura modular, hierarquizada e contínua; desenvolver indicadores de avaliação e desempenho; não desvincular a formação e a Saúde Pública/Saúde Coletiva. Ponto importante no relatório é o dedicado à pesquisa.
Após a apresentação de um quadro geral da investigação em saúde no Brasil e em especial da pesquisa epidemiológica, foram discutidos os seguintes tópicos: a produção do conhecimento em epidemiologia, a divulgação científica, a difusão do conhecimento, a ética na pesquisa, teoria e metodologia da pesquisa em epidemiologia. Todos os pontos são apresentados com base na identificação de problemas e, na seqüência, vêm as ações propostas. Citaremos apenas alguns que nos parecem de maior relevância.
Em relação à produção são apresentadas algumas insuficiências, tais como a da articulação de algumas áreas do conhecimento com a política nacional ou com a ciência e tecnologia; incipiência na formação de redes nacionais e internacionais entre os pesquisadores; tendência à especialização do campo. Outros pontos relacionados nesse item referem-se à existência de poucos meios de divulgação; à precariedade da comunicação entre os pesquisadores; à inadequação de alguns dos procedimentos recomendados no atuais documentos normativos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) em relação a estudos epidemiológicos voltados para a Saúde Pública; a questões ainda não resolvidas no campo da incorporação de modelos teóricos na epidemiologia.
Para todos os pontos relacionados, foram propostas ações destinadas a aprimorar e avançar o conhecimento e as relações do campo e dos pesquisadores, inclusive no incentivo ao desenvolvimento e metodologias para a avaliação e a incorporação do conhecimento epidemiológico nas políticas públicas, além da análise do seu conseqüente impacto político. O terceiro ponto tratado no Plano Diretor refere-se à epidemiologia nas políticas, nos programas e serviços de saúde. Sem dúvida, a importância conferida pelos epidemiologistas a esse item expressa-se na criação das Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (Expoepi), fórum anual específico para divulgação, discussão e Comissões e Grupos Temáticos, premiação de trabalhos e experiências bem-sucedidas no campo da epidemiologia dos serviços de saúde. (texto extraído do livro Saúde Coletiva como Compromisso: a trajetória da Abrasco)